Feminilidade,

A Essência da Feminilidade - PARTE II. por Elizabeth Elliot

março 20, 2018 Mulher da Palavra 0 Comments



            A teologia feminista de cristãos (veja que não posso chamá-la “teologia cristã feminista”) é uma cama de Procrusto[1] na qual a doutrina e os fatos básicos da história da natureza humana e sua história, sem falar na própria Bíblia, são arbitrariamente esticados ou amputados para encaixarem-se nela. Por que, eu pergunto, uma teologia feminista começa com as respostas? Uma mulher que falou sobre “Uma Abordagem Bíblica ao Feminismo” definiu sua tarefa (imensa, na minha opinião) como uma tentativa de interpretar a Bíblica de modo favorável à causa da igualdade (Virginia Ramey Mollenkott no Encontro Evangélico de Mulheres, em Washington, DC, em novembro de 1975). A “interpretação” exigia uma revisão detalhada das doutrinas da criação, do homem, da Trindade e a inspiração das Escrituras, bem como a reconstrução da história religiosa, com o objetivo de purgar cada um destes do que foi chamado uma conspiração patriarcal contra as mulheres. Por que as feministas deveriam substituir a gloriosa visão hierárquica de bem-aventurança por um ideal decrépito e incoerente que achata todos os seres humanos num único nível – um deserto sem rosto, sem cor, sem sexo, onde regra e submissão são consideradas uma maldição, onde os papéis dos homens e mulheres são tratados como peças intercambiáveis de máquinas, substituíveis e ajustáveis, onde sentir-se completo seja uma mera questão de política e coisas como igualdade e direitos?
            Este é um mundo pelo qual os poetas nunca aspiraram, que a literatura das eras não viu de algum modo, um mundo que não leva em consideração o mistério. A igreja alega ser a portadora da revelação. Se estiver correta, como C.S. Lewis afirma, deveríamos esperar encontrar na igreja um “elemento que os não crentes chamarão de irracional e os crentes chamarão de supra racional. Deve haver algo nela que lance um nevoeiro sobre a nossa razão e não ao contrário... Se nós a abandonarmos, se retivermos apenas o que pode ser justificado pelos padrões da prudência e conveniência diante do senso comum iluminista, então trocaremos a revelação pela velha assombração da Religião Natural”.[2]
            A visão cristã brota do mistério. Todo princípio importante de nosso credo é um mistério – revelado, não explicado – afirmado e aprendido apenas pela faculdade da fé. A sexualidade é um mistério representando o mais profundo mistério que temos conhecimento: o relacionamento de Cristo e Sua igreja. Quando lidamos com masculinidade e feminilidade, estamos lidando com “as sombras vívidas e horríveis das realidades completamente fora do nosso controle e amplamente além do nosso conhecimento direto”, como afirma Lewis[3]. Não podemos, ao mesmo tempo, engolir a doutrina feminista de que a feminilidade é um mero condicionamento cultural, de estereótipos perpetuados pela tradição, ou um produto de um enredo nefasto tecido por machos em alguma reunião de comitê pré-histórico.
            Por favor, não me entenda mal. Nós devemos e, de fato, desprezamos os estereótipos que debocham das distinções divinas. Nós lamentamos os abusos impingidos por homens contra mulheres – e não nos esqueçamos, por mulheres contra homens, pois todos pecaram – mas será que nos esquecemos dos arquétipos?
            Estereótipo é uma palavra usada de modo depreciativo para denotar uma noção ou padrão convencional. Um arquétipo é o padrão ou modelo original, que engloba a essência das coisas e reflete de algum modo a estrutura interna do mundo. Eu não estou aqui para defender os estereótipos femininos, mas para tentar focar no Padrão Original.
            A primeira mulher foi feita especificamente para o primeiro homem, uma ajudadora, para atender, responder, se render e complementar a ele. Deus a fez a partir do homem, do seu próprio osso e então, trouxe-a para o homem. Quando Adão deu nome a Eva, ele aceitou a responsabilidade de ser o marido dela – sustentar, cuidar e protegê-la. Estas duas pessoas juntas representam a imagem de Deus – uma delas, de um modo especial, o que iniciou a outra que respondeu. Nem um nem outro, enquanto estavam sozinhos, eram adequados para sustentar a imagem divina.
            Deus pôs estes dois num lugar perfeito e – você conhece o resto da história. Eles rejeitaram sua humanidade e usaram a liberdade dada por Deus para desafiá-Lo, decidiram que não queriam ser meros homem e mulher, mas deuses, clamando para si o conhecimento do bem e do mal, um peso muito grande para os seres humanos suportarem. Eva, na sua recusa de aceitar a vontade de Deus, recusou sua feminilidade. Adão, cedendo à sugestão dela, abdicou de sua responsabilidade masculina por ela. Foi o primeiro exemplo do que reconheceríamos agora como “inversão de papéis”. Esta desobediência desafiadora arruinou o padrão original e as coisas tornaram-se uma tremenda bagunça desde então.
            Mas Deus não abandonou suas criaturas teimosas. Em Seu inexorável amor Ele demonstrou exatamente o que tinha em mente chamando a Si mesmo de Noivo – o iniciador, protetor, amante – e Israel de Sua noiva, Sua amada. Ele a resgatou, chamou-a pelo nome, a cortejou e conquistou, chorou por ela quando esta se prostituiu atrás de outros deuses. No Novo Testamento, encontramos o mistério do casamento mais uma vez expressando o inexpressível relacionamento entre o Senhor e Seu povo, o marido representando Cristo e seu lugar de Cabeça, a esposa como a igreja e sua submissão. A imagem inspirada pelo Espírito não é para ser embaralhada e redistribuída de acordo com nossos caprichos e preferências. O mistério deve ser manipulado não apenas com cuidado, mas também com reverência e temor.
            A história do Evangelho começa com o Mistério da Caridade. Uma jovem é visitada por um anjo, recebe a notícia chocante de que vai tornar-se mãe do Filho de Deus. Diferente de Eva, cuja resposta para Deus foi calculada e egoísta, a resposta da virgem Maria não mostrou hesitação alguma a respeito de riscos, perdas ou interrupções dos seus próprios planos. É uma doação total e incondicional de si mesma: “Eis aqui a serva do Senhor; cumpra-se em mim segundo a tua palavra” (Lucas 1.38). Isto é o que eu entendo ser a essência da feminilidade. A rendição.[4]
Pense numa noiva. Ela entrega sua independência, seu nome, seu destino, sua vontade, a si mesma, para o noivo no casamento. Esta é uma cerimônia pública, diante de Deus e das testemunhas. Então, no quarto do casamento, ela entrega o seu corpo, seu dom imensurável da virgindade, tudo que havia sido escondido. Quando se torna mãe, faz outra rendição – é a vida dela pela vida do filho. Isto é nos níveis mais profundos, aquilo para que a mulher foi criada, casada ou solteira (e a vocação especial da virgem é render-se para o serviço do seu Senhor para a vida do mundo).
O espírito dócil e tranquilo do qual Pedro fala, qualificando-o “de grande valor para Deus” (1 Pedro 3.4), é a verdadeira feminilidade, que encontrou sua síntese em Maria, na disposição de ser apenas um vaso, escondido, desconhecido, exceto por ser a mãe de Alguém. Este é o verdadeiro espírito materno, a verdadeira maternidade, tão ausente, ao menos para mim, dos anais do feminismo. “Quanto mais santa é a mulher”, escreveu Leon Bloy, “mais ela é mulher”.
A feminilidade recebe. Ela diz “Que faça-se em mim segundo a tua vontade” (Lucas1.38). Ela recebe o que Deus dá – um lugar especial, uma honra e glória especiais, diferentes daquela da masculinidade – com o objetivo de ajudar. Em outras palavras, nós, mulheres, temos que receber o que é dado, assim como Maria o fez, e não insistir no que não foi dado, como Eva fez.
Talvez as mulheres excepcionais da história tenham recebido um dom especial – um carisma – porque elas se fizeram nada. Eu penso em Amy Carmichael, por exemplo, outra Maria, porque ela não teve ambição por nada além da vontade de Deus. Portanto, sua obediência, seu “Que faça-se em mim” teve um impacto incalculavelmente profundo no século vinte. Ela recebeu poder, assim como o seu Mestre, porque ela se fez nada.
            Eu seria a última a negar que as mulheres recebem dons que elas têm que exercitar. Mas nós não devemos ser gananciosas, insistindo em ficar com todos eles, usurpando o lugar dos homens. Nós somos mulheres e meu apelo é Deixe-me ser uma mulher, completamente santa, não pedindo por nada além do que Deus quer me dar, recebendo com as duas mãos e com todo o meu coração o que quer que seja. Nenhum argumento seria necessário se todas compartilhássemos o espírito daquela “bendita entre as mulheres”.
            O mundo busca felicidade através da autoafirmação. O cristão sabe que a alegria é encontrada no autoabandono. “Porque aquele que quiser salvar a sua vida”, Jesus disse, “perdê-la-á, e quem perder a sua vida por amor de mim, achá-la-á.” (Mateus 16.25) A verdadeira liberdade de uma mulher cristã está do outro lado de um pequeno portão – obediência humilde – mas o portão leva a uma amplitude de vida com a qual as libertadoras do mundo nunca sonharam, a um lugar onde a diferenciação entre os sexos dada por Deus não é ofuscada, mas celebrada, onde nossas “não igualidades” são vistas como essenciais à imagem de Deus. Pois é em macho e fêmea, em que macho é macho e fêmea é fêmea, não como duas metades iguais e intercambiáveis, que a imagem é manifesta.
Encobrir coisas tão profundas é privar as mulheres da resposta central ao clamor dos seus corações: “Quem sou eu?” Ninguém a não ser o Autor da História pode responder a este clamor.

 Elizabeth Elliot



[1] Nota de Tradução: Procrusto (da mitologia grega) era um bandido que vivia na serra de Elêusis. Em sua casa, ele tinha uma cama de ferro, que tinha seu exato tamanho, para a qual convidava todos os viajantes a se deitarem. Se os hóspedes fossem demasiados altos, ele amputava o excesso de comprimento para ajustá-los à cama, e os que tinham pequena estatura eram esticados até atingirem o comprimento suficiente. Uma vítima nunca se ajustava exatamente ao tamanho da cama porque Procusto, secretamente, tinha duas camas de tamanhos diferentes.


[2] C. S. Lewis, “Priestesses in the Church?” em God in the Dock: Essays on Theology and Ethics, ed. Walter Hooper (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1970), p.238.
[3] Ibid., p. 239

[4] Não quero que pensem que estou recomendando que a mulher se renda à males como coerção ou violência.




Fonte: Revive our hearts. Website: reviveourhearts.com. 
Traduzido com permissão. 
Título original:  The Essence of Femininity: A Personal Perspective

Tradução: Viviane Andrade


Elisabeth Elliot, nascida em 21 de dezembro de 1926, é uma escritora e palestrante cristã. Seu primeiro marido, Jim Elliot, foi morto no início de 1956, ao tentar fazer contato com os Auca (atualmente conhecidos como Waorani), no leste do Equador. Mais tarde ela viveu dois anos como missionária entre os membros da tribo que assassinou seu marido. 
É autora, entre outros livros, de Let Me Be a Woman, Keep a Quiet Heart, Secure in the Everlasting Arms, Passion and Purity e Faith That Does Not Falter.

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