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Perdão: da teoria à prática. por Bianca Bonassi Ribeiro
O objetivo
desse texto é provocar um olhar diferente, leve e cheio de amor por pessoas. A
minha oração é que eu e você tenhamos a disposição de mente e coração para perdoar
e consequentemente exercitarmos a nossa salvação em Cristo Jesus. Em outras
palavras, praticar o perdão é um exercício que envolve muitas ações, cujo
intuito é demonstrar amor.
Há algumas
semanas, minha devocional foi na carta que Paulo e Timóteo escreveram a Filemom.
Trata-se de uma carta pequena (apenas 25 versículos) e, num primeiro momento
pode parecer distante da nossa realidade. Mas, terminei minha devocional
encantada por dois motivos. Primeiro com o senso de humor e leveza com que Deus
nos ensina e segundo, com a didática do Espírito Santo em usar a Palavra de Deus de forma viva e
eficaz, mais cortante que uma espada, trazendo luz aos pensamentos, conforme
Hebreus 4.12.
A carta a
Filemom estrutura-se no seguinte contexto: Paulo, que estava preso (provavelmente
em Roma) junto com Timóteo, escreveu duas cartas. Uma delas destinada aos
colossenses, porém a outra foi direcionada a Filemom e à igreja que se reunia
na casa dele, também na cidade de Colossos. As cartas seriam entregues por Tíquico e
Onésimo (Cl 4.7-9).
No entanto,
Onésimo, antes de se converter ao
Cristianismo tinha sido escravo de Filemom e há indícios de que ele
provavelmente havia roubado Filemom (seu dono) e fugido para Roma onde conheceu
Paulo e o evangelho de Jesus Cristo. Assim, esse escravo fugitivo se arrependeu
de seus pecados e queria restaurar o relacionamento com Filemom. Naquela época,
durante o Império Romano, esse tipo de comportamento por parte de um escravo
seria punido com pena de morte. Mas, diante do arrependimento, o apóstolo Paulo
e Timóteo, aproveitaram a situação para ensinarem uma alternativa à execução da
pena, substituindo-a pela prática do
perdão.
Dessa
forma, a carta tem início com os dois primeiros versos introduzindo os autores
e os destinatários: Paulo e Timóteo a Filemom (amado cooperador), à irmã Áfia (provável
esposa[i]),
a Arquipo (nosso companheiro de lutas – provável filho[ii])
e à igreja que se reúne com você em sua casa. Interessante notar, que os
autores direcionam a carta à toda família, além dos demais irmãos que
congregavam/ conviviam com eles. Nota-se que essa era uma mensagem que
encorajava várias pessoas que possivelmente foram afetadas direta e
indiretamente pelo erro de Onésimo.
A carta prossegue
com uma saudação, que em geral apresenta o desejo e carinho dos autores pelos
destinatários: “A vocês graça e paz da parte de Deus nosso Pai e do
Senhor Jesus Cristo” (Fm 3 – grifo meu). Graça[iii]
é a manifestação de favor ou bondade sem relacionar valor ou mérito da pessoa
que recebe a graça. Paz[iv],
no novo testamento, refere-se à calma e equilíbrio emocional do cristão que
confia em Deus, por meio de Jesus Cristo (quietude de mente e alma).
A
introdução é fundamental para ressaltar quem escreve e porque escreve, por ser
a Palavra de Deus, essa carta escrita a Filemom há muitos anos atrás, ainda é
um recurso de ensino para nós em pleno século 21. Deus continua nos saudando
com a graça e paz que vem D´Ele.
Nos
versículos 4 a 7 da carta, os autores ressaltam a oração de louvor a Deus, pela
fé no Senhor Jesus e pelo amor por todos os santos, que já estava sendo manifestado
por Filemom. Percebemos que esse homem era alguém comprometido e fiel a Deus.
Filemom demostrava amor por outros irmãos e os encorajava, isso era motivo de
grande alegria, além de ser um atestado de maturidade na fé. Por essa razão, Paulo
e Timóteo prosseguem a carta com um apelo baseado na maturidade cristã de
Filemom:
Por isso, mesmo tendo em Cristo plena liberdade para mandar que você cumpra o seu dever, prefiro fazer um apelo com base no amor [...]
apelo em favor de meu filho Onésimo, que gerei [...] Ele antes
lhe era inútil, mas agora é útil, tanto para você quanto para mim. Mando-o de volta a
você, como se fosse meu próprio
coração [...] Mas não quis fazer nada sem a sua permissão, para que qualquer favor que você fizer seja
espontâneo e não forçado (Fm 8 – 14 , grifo meu).
Os autores
da carta tinham autoridade para exigir que Filemom cumprisse a recomendação,
entretanto ao invés da ordem há um apelo baseado no amor. É nítido que a
intenção do coração era mais importante do que a ação. O nome Onésimo significa
útil. No passado, esse jovem tinha sido inútil a Filemom pelos problemas e
aborrecimentos causados, mas agora ele estava arrependido e tinha se tornado
útil, tanto para Paulo quanto para Filemom. Por meio de Paulo e Timóteo, Deus
estava relembrando Filemom de que Onésimo tinha um propósito no plano divino.
Tratava-se de uma vida arrependida e que ansiava pelo crescimento espiritual.
Os autores da carta viam esse potencial e estavam estimulando que Filemom
também enxergasse Onésimo da mesma forma, ou seja, com amor.
A carta
continua e do apelo ao perdão ela passa a discorrer sobre instruções importantes
para a restauração do relacionamento. Trata-se de verdades válidas também para
nossa vida. A volta de Onésimo e o relacionamento entre ele e Filemom deveria
ser como o de irmãos.
[...] para que você o
tivesse de volta para sempre, não mais
como escravo, mas, acima de escravo, como
irmão amado, e ainda mais para você, tanto como pessoa quanto como cristão
[...] Assim, [...] receba-o como se
estivesse recebendo a mim. Se ele o prejudicou em algo ou lhe deve alguma coisa,
ponha na minha conta [...] Eu pagarei – para não dizer que você me deve a própria vida. [...]
Escrevo-lhe certo de que você me
obedecerá, sabendo que fará ainda
mais do que lhe peço [...] A graça
do Senhor Jesus Cristo seja com
o espírito de todos vocês (Fm 15-25
– grifo meu).
Os autores
relembram a Filemom de que se Onésimo lhe devia algo (em função de seu erro
passado), essa dívida deveria ser depositada na conta de Paulo. Com uma pitada
de senso de humor, Filemom é relembrado de que devia a própria vida a Paulo,
uma vez que provavelmente ele tenha se convertido a partir das pregações e
mensagens do apóstolo Paulo.
Uma das
aplicações práticas do perdão é retomar um relacionamento sem uma nuvem de
desconfiança pairando entre as partes. Pense comigo, uma coisa é perdoar e
libertar um escravo ladrão e fugitivo, outra coisa é ter que conviver constantemente,
talvez na mesma casa, como irmãos amados, sem desconfiar que Onésimo não
roubaria mais nada.
Acredito
que uma das maiores dificuldades na restauração de relacionamentos seja a
desconfiança. De um lado o prejudicado acha que o outro vai cair novamente e por
outro lado, o arrependido, ao sentir a desconfiança tende a se afastar por
acreditar que não foi realmente perdoado.
De acordo
com o dicionário, a palavra desconfiar significa ter falta de confiança em
alguém, o mesmo que duvidar de uma pessoa. Se você já sentiu que alguém
duvidava de você, lembre-se de como essa sensação é ruim e irritante. Imagine
se Deus ficasse à espreita esperando cada vez que eu e você fossemos pecar,
para então dizer ou olhar “eu sabia”..... nosso relacionamento com o Pai não
seria agradável.
A
desconfiança quebra relacionamentos porque tira a paz (estado de tranquilidade da
mente) tanto para quem desconfia quanto para quem sofre a desconfiança. E,
somente a graça (perdão/ favor independente de quem recebe) pode gerar ou
restaurar a confiança.
Trazendo
para o nosso cotidiano, quantas crianças, adolescentes, jovens e pessoas fracas
ou imaturas na fé não tem sido “inúteis”, no sentido de causar aborrecimentos e
pecar por algo que os maduros na fé consideram inadmissível? A nossa função é
olhar para a Palavra de Deus e nos lembrar que devemos a nossa própria vida a
Cristo Jesus. Assim, qualquer dano que tenhamos sofrido pelo pecado do próximo
foi pago na Cruz, ou seja, devemos depositá-lo na conta de nosso Salvador.
De acordo
com a Palavra de Deus, a carta escrita a Filemom nos lembra que existem vários
Onésimos e Onésimas que foram libertos da escravidão do pecado. Devemos lembrar
de que Deus não fica desconfiado aguardando o nosso próximo pecado. Pelo
contrário, “se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para perdoar
os nossos pecados e nos purificar de toda injustiça”, conforme I João 1.9. Em
outras palavras, Ele é doador de graça abundante porque a partir da nossa
confissão e arrependimento, restabelece o relacionamento conosco.
Assim, os maduros na fé ao invés de viverem
desconfiados – esperando a próxima “aprontação” – de Onésimos e Onésimas, precisam
criar um ambiente de confiança e perdão para que essas pessoas se transformem em
Filemons e Filomenas do futuro, que alimentados diariamente pela Palavra de
Deus, demonstrarão amor e serão fonte de encorajamento a outros irmãos.
Por fim, a consequência
de praticar o perdão é ter paz em Deus e entender que a graça que nos alcançou
é capaz de restaurar e fortalecer relacionamentos. É a fonte que transforma
inúteis em úteis!
Bianca Bonassi Ribeiro
Bianca Bonassi Ribeiro
[i] PINTO, C.O.C. Foco e
Desenvolvimento no Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2008.
[ii] idem
[iii] YOUNGBLOOD, R.F.; BRUCE,
F.F.; HARRISON, R.K. Dicionário Ilustrado da Bíblia. São Paulo: Vida Nova,
2004.
[iv] idem
Bianca é casada com Luciano. Eles têm dois filhos, o Pedro e o Vitor. Ela faz parte da equipe docente da Universidade Presbiteriana Mackenzie-SP, desde 2007 e é membro da Primeira Igreja Batista de Atibaia.
Bianca é casada com Luciano. Eles têm dois filhos, o Pedro e o Vitor. Ela faz parte da equipe docente da Universidade Presbiteriana Mackenzie-SP, desde 2007 e é membro da Primeira Igreja Batista de Atibaia.
Bianca é doutora em Comunicação e Semiótica, mestre em Administração e graduada em Administração de Empresas.
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